terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Artigos - O Mito do Panzergrenadier (parte 1)

Temos aqui um belo exemplo da arte de propaganda alemã da 2ª Grande Guerra que ilustra de forma magnífica a ligação directa entre o Granadeiro de Frederico o Grande e o seu suposto herdeiro Granadeiro Blindado. A imagem foi tirada de uma publicação de propaganda das forças armadas alemãs da altura chamada "Signal". Realmente, como diz o ditado "Quem não viu Lisboa não viu coisa boa", quem nunca viu a Signal (e congéneres, como a "der Adler", da alçada da Luftwaffe) deixou para trás um arquivo de imagens de propaganda (e outras) notável...
Ora esta imagem e as suas semelhantes, destinada a glorificar a imagem do soldado, pretendia (e pretende, isto começou cedo e nunca acaba, na Alemanha nazi como em todo o lado) incutir mitos de superioridade nas nossas mentes. Foi tão eficaz que perdura ainda a imagem mítica do Panzergrenadier conquistador, que leva tudo à sua frente dentro do seu blindado meia-lagarta. 
Esta imagem de romântica hiper-eficiência merece ser analisada com mais cuidado. Vamos lá começar pelo princípio - o que é a Infantaria.
A Infantaria é uma Arma mais ou menos flexível (o que depende da mais da inspiração do comndante do que da boa vontade do comandado) que tem entre várias outras as funções de conquistar o seu objectivo pelo fogo, movimento ou choque, ocupar o objectivo e impedir que lhe façam o mesmo! Infelizmente tem que fazer isso a pé, o que é fatigante, e não tem debaixo dela uma coisa de casca grossa e com lagartas, que é o que dá "frisson" numa mesa de jogo. Mas falemos a sério.

A mobilidade estratégica

O meio de transporte clássico da infantaria sempre foi o par de botas, havendo. Durante a Guerra da Secessão dos Estados Unidos foi introduzida uma inovação para o deslocamento da tropa em longas distâncias: o caminho de ferro. No entanto afastando-se do eixo ferroviário, a infantaria tem que se deslocar por meios próprios, donde a necessidade de transporte motorizado a fim de permitir manter a deslocação rápida.
A necessidade de motorização da infantaria intensificou-se com a criação das tropas blindadas, totalmente motorizadas, dado o requisito de fornecer mobilidade à infantaria para acompanhar a tropa blindada.
De modo a resolver o problema da mobilidade estratégica reduzida começou a aplicar-se a motorização em escala crescente a partir do momento em que a instituição militar reconheceu a utilidade do automóvel: cedo! O crescimento desta motorização dependia dos recursos de cada nação, sendo mais intenso nuns que noutros, naturalmente. Para o caso que nos interessa, ao princípio da 2ª Grande Guerra os únicos dois exércitos que tinham a infantaria completamente motorizada, isto é, que já não utilizavam um único cavalo para rebocar o seu equipamento e trem, eram o Britânico e o Americano (com excepção para tropas de montanha, mas este é um caso à parte), mais nenhum.
Mesmo assim nestes dois exércitos a infantaria propriamente dita não tinha camiões de transporte orgânicos. Estes pertenciam a unidades de trem que podiam ser atribuídas a unidades de infantaria e re-atribuídas a outras unidades conforme as opções do comando. Nos outros exércitos, bem, algumas unidades eram motorizadas e outras não... Na maioria eram não!
Este "não" inclui o exército Alemão. De facto, a produção de viaturas nunca foi suficiente em quantidade para as necessidades. Além do mais, dadas as particularidades da organização da indústria alemã, ou antes pela ausência de organização, levou-se tempo a pôr em marcha a produção em massa de viaturas com características militares - até à entrada em funções do ministro Speer a produção dava ênfase a viaturas com características civis. Mas esta história da interferência dos poderes civis (o Partido Nazi) nos assuntos militares é uma questão tenebrosa, à qual haverei de voltar no futuro noutro contexto.
O exército alemão durante toda a guerra separou a sua infantaria em duas - motorizada e não-motorizada, tendo a motorizada mais ou menos estatuto de elite. As divisões motorizadas funcionavam como as britânicas, sendo a infantaria dependente de unidades de transporte fornecidas de escalão superior. Os apoios (artilharia, reconhecimento, comunicações, etc) dispunham de transporte próprio.
De acordo com o pensamento oficial, não era crítico o facto de o grosso da infantaria não ser motorizado. A intenção era dispor um número limitado mas muito bem equipado de tropas de choque blindadas, apoiadas por infantaria mecanizada. A infantaria não motorizada tinha por função consolidar os ganhos das formações rápidas, e ocupar o território conquistado.
Esta separação não constituía problema de maior no quadro de uma guerra na Europa Ocidental, dada a existência de uma rede ferroviária extensa tanto no tempo da 1ª GG, como nas campanhas dos Países Baixos / França, em que as distâncias a percorrer desembarcado eram relativamente curtas. O caso mudou de figura radicalmente quando se "inaugurou" a frente Leste, na qual a rede ferroviária era muito mais esparsa e sujeita a sabotagem constante; e a rodoviária não correspondia às classificações atribuídas nos mapas. Aí, estradas (quando as havia) de primeira no mapa podiam corresponder a estradas de terra batida que se transformavam num lamaçal à primeira chuvada. 
Na frente Leste (e na Ocidental quando as forças aéreas começaram a escavacar metódica e completamente a rede de transporte ferroviário) a infantaria simples começou a ressentir-se de grandes problemas devido à trágica combinação de dois factores: enormes extensões de frente a cobrir, e a falta de mobilidade estratégica. A única formação móvel de que a divisão de infantaria alemã dispunha para deslocar de um ponto de emergência para outro era o batalhão de reconhecimento, que se via obrigado a acumular funções de corpo de bombeiros (um termo que aparece muita vez no contexto do exército alemão...), a apagar os "fogos" que constantemente apareciam. Este batalhão de reconhecimento, embora dispondo de uma componente de carros blindados, etc, continha uma força de infantaria, móvel por ser montada, a cavalo ou a bicicleta...
De modo que a divisão de infantaria motorizada era uma divisão de infantaria normal, mas dotada de meios de transporte mais rápido (e menos fatigante) em estrada, uns próprios, outros atribuídos. En termos de terminologia, a divisão de infantaria normal distinguia-se da motorizada pelo sufixo: Infanteriedivison e Infanteriedivison (mot.).
A partir de certa altura foi reconhecida a necessidade de criar divisões de acompanhamento próximo das divisões blindadas. O processo consistiu alterar a orgânica e dotação da divisão de infantaria motorizada de modo a reforçar a divisão em mobilidade e poder de fogo. 

Miguel Morão

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